NÚCLEO DE INVESTIGAÇÕES TRANSDISCIPLINARES - NIT
Coordenação: Prof. Dr. Miguel Almir Lima de Araújo
2. JUSTIFICATIVA (Considerações teóricas)
Os paradigmas erigidos em nossa cultura ocidental moderna, lastreados no conhecimento científico com seus instrumentos analíticos e lógico-formais trouxeram contribuições relevantes para a nossa sociedade. Porém, ao serem considerados como únicos portadores do estatuto da verdade, exercendo, assim, supremacia sobre os outros modos de conhecimento, foram incidindo em reducionismos exclusivistas que trouxeram desdobramentos desqualificantes para a compreensão e a vivência (práxis) da cultura, da cotidianidade da vida.
Nessa esfera, o conhecimento passa a ser confinado apenas à esfera da disciplinaridade estruturada pelo saber científico e técnico que explicita as dimensões do real atinentes ao pensamento analítico, à exterioridade das coisas, à lógica do hemisfério esquerdo do cérebro. Este pólo, representando a linearidade, os aspectos mais funcionais, pragmáticos e frios da vida, apresenta sua visão fragmentada e calculista que subestima e obstrui as demais instâncias constituintes da inteireza do ser e da vida; dicotomiza as relações entre os seres humanos e o ecossistema.
As dimensões mais imponderáveis, ambíguas e sinuosas da subjetividade humana como os sentimentos, as crenças, a espiritualidade, o mitopoético, a corporeidade etc. foram sendo recalcadas e denegadas como expressões ilusórias, inferiores e obscurecedoras da luminosidade do logos, da razão.
Essa extremação da tecnociência com sua cartografia desenhada na disciplinaridade provocou fragmentações e mutilações que são traduzidas em posturas separatistas e destrutivas para a vida humana, bem como para todo o planeta terra, incidindo no desencantamento do mundo. O ser humano ficou separado da natureza, o corpo da mente, a razão da paixão, o espírito do corpo, a vida da morte, o masculino do feminino.
Nas últimas décadas, diversas investigações realizadas nas mais diferentes frentes e áreas do conhecimento a partir de olhares mais heterodoxos, transversais e multirreferenciais trazem uma compreensão mais alargada e profunda dos limites dos paradigmas da disciplinaridade. As mesmas apontam para perspectivas de superação desses modelos reducionistas, fragmentadores e exclusivistas em que a busca da compreensão da complexidade do real, em sua multidimensionalidade, fundamenta-se na abordagem transdisciplinar.
O vocábulo Transdisciplinaridade foi enunciado pela primeira vez, segundo B. Nicolescu, por Jean Piaget num colóquio de 1970 quando este proclamou:
"...enfim, no estágio das relações interdisciplinares, podemos esperar o aparecimento de um estágio superior que seria 'transdisciplinar', que não se contentaria em atingir as interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um sistema total sem fraturas estáveis entre as disciplinas" (apud WEIL, 1993, p. 30).
A Transdisciplinaridade nutre-se da pesquisa disciplinar, da sua ampliação com a interdisciplinaridade, e procura ultrapassar a ambas, transbordando os seus limites, transpondo as fraturas do paradigma da disciplinaridade.
A Transdisciplinaridade lastreia-se na relação de interdependência complementar existente entre todas as formas de conhecimento humano, desde a Ciência, a Arte, a Filosofia e as Tradições espirituais, constituindo-se, assim, como ponte que os interliga. Considera a importância da disciplinaridade, da interdisciplinaridade, as atravessa e as ultrapassa vislumbrando a busca da compreensão do ser e da cultura na teia in-tensiva de sua complexidade e inteireza dinâmica. A sua perspectiva de abordagem em relação à sociedade/cultura e à natureza compreende as relações de pertencimento e de co-pertencimento entre os sujeitos humanos e o ecossistema, bem como das responsabilidades daqueles com este.
Desse modo, a abordagem Transdisciplinar propugna a relação de coexistência entre Ciência e consciência, pensamento e experiência interior, efetividade e afetividade como realça NICOLESCU (1999), bem como relações de respeito, tolerância e inclusividade entre os diversos modos de saber, de cultura, de religião ou outras formas expressivas de valores humanos. Anuncia, portanto, a busca da religação dos saberes, o reencantamento do mundo.
D'AMBRÓSIO (1997, p. 79-80) declara que
"O essencial na transdisciplinaridade reside na postura de reconhecimento de que não há espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar como mais corretos (...) os mais diversos complexos de explicações e de convivência com a realidade. A transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude mais aberta, de respeito mútuo e mesmo de humildade em relação a mitos, religiões, sistemas de explicação e de conhecimentos, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência".
Assim, a abordagem transdisciplinar funda-se no princípio milenar, presente em diversas tradições culturais, da unitas multiplex, em que se busca uma compreensão do universo em sua unidiversidade. Ou seja, a Transdisciplinaridade tem como eixo fundamental a noção de que as diferenças que compõem os diversos modos de expressão dos seres e fenômenos da Natureza, bem como dos seres e fenômenos do espírito humano, em suas expressões histórico-culturais, são partes constitutivas de um todo dinâmico. Todo que só tem sentido pela relação de interligação simbiótica e qualitativa entre as singularidades de suas partes. Interligação que, através de suas dimensões qualitativas e proporções quantitativas compõem uma unidade in-tensiva e múltipla, viva e vibrante, como os mais diferentes instrumentos de uma orquestra que, interligados e sintonizados em processos de afinação dos tons de suas diferenças compõem a beleza de uma sinfonia, a “harmonia conflitual”.
A esse respeito CAMUS (1997, p. 41) anuncia: “a via transdisciplinar é a busca alquímica (isto é, não mais especulativa e sim operativa) da auto-interrogação-intensificação-coagulação desse fabuloso enigma que se chama 'consciência'”. Consciência como saber com, como expressão conjuntiva de percepção e de vivenciação em que se entrelaçam o sentimento e o pensamento, a intuição e a razão; como uma compreensão alargada e corpomental; em que o saber está eivado de sabor, e, assim, nos conduz à transversalidade da sabedoria.
Morin (1996, p. 280) explicita que “não podemos separar o mundo que conhecemos das estruturas de nosso conhecimento (...). Há uma aderência inseparável entre nosso espírito e o mundo”. Conhecimento que, na sua gênese etimológica, como lembra Mafesolli (1998, p. 67), traduz-se em “nascer com (cum-nascere)”.
Como diz Nicolescu (1999, p. 121) a transdisciplinaridade “é simplesmente um corpus de pensamento e uma experiência vivida”, na busca da phronesis grega, da temperança proporcionada pela sabedoria. Procura operar uma síntese dialética que implica em tensividade, abertura e fecundez no trato cuidadoso e profundo entre a Arte, a Ciência, a Filosofia e as Tradições, instituindo encontros e cruzamentos mestiços mediante a heterogeneidade das culturas humanas. Instaura pontes que entrelaçam o corpo e o espírito humanos com o corpo e o espírito do cosmos na celebração da unitas multiplex.
Nesse horizonte, as investigações transdisciplinares são primordiais para a Educação e as práticas educativas na medida em que estas devem proporcionar processos de formação lastreados nos princípios da “Ética da solidariedade” e da “Fraternidade cósmica”, nas expressões de Morin. Assim, estas investigações também devem incidir na compreensão de que a Educação precisa primar pelo entrelaçamento de todas as formas de conhecimento humano na relação coexistencial entre sujeito e objeto.
O NIT tem como eixo fundador de suas ações a compreensão de que as práxis educativas poderão potencializar a formação do ser humano, na complexidade in-tensiva de sua inteireza, em que corpo e espírito, razão e paixão, masculino e feminino etc, são concebidos como pólos interdependentes, complementares e interpolares.
Nesse sentido, o NIT pretende buscar caminhos que proporcionem a revitalização da relação teoria-prática na academia desenvolvendo atividades de Ensino, Extensão e Pesquisa, dentro e fora da UEFS, na perspectiva de contribuir com a requalificação de nossas posturas e práticas epistemológicas, pedagógicas e de inserção na sociedade fundamentadas na ansdisciplinaridade.