Poemas
Era uma tarde, o vento
Era uma tarde e era quase a noite,
no horizonte houve um traço de
Van Gogh:
um tom de laranja e
um outro cor de barro.
E eu sonhava ir indo por ali, sozinho.
Como quem deixa as uvas e colhe o vento.
A noite veio vindo como quem a pé
e acendeu entre a Lua e o Cruzeiro
um carreiro de velas. E pareceu até
que o breu da noite clareia mais que o dia
por um instante que fosse, um momento.
E sobre o manto do mar Órion
molha as mãos
e quem neste voo vela
a noite como eu,
desperto e aceso,
se espanta e se pergunta:
para onde foi o que da tarde havia?
E quem chegou e quando? Vindo de onde?
Trazido de qual nuvem? De qual vento?
De que lugar que longe há, e eu não sabia?
Carlos Rodrigues Brandão
O berrante, o vento
Ouves este som? Pensas que é o vento?
Ouve de novo! Escuta e vê. Não venta.
E na volta da estrada é um som dolente
quem trás até aqui três notas de um berrante.
Alguém que não o vento o sopra. Ouves?
Quem?
É um boiadeiro quem canta e, como o vento
fala a ele e aos bois, e a nós e a deus,
e a todos embala como se fosse um berço
o sertão que entanto é pedra e fogo aceso.
Berrante, o artefato de sopro mais humilde
e o som mais igual ao Om de Krishna.
O mais deserdado sopro, o mais sem arte.
Não há lugar para ele entre violas
e sanfonas e tambores das folias
e dos bailes que embalam alegrias
entre um dia vinte e cinco e um dia seis.
Ele sonha ser apenas um mugido,
um como o vento que de um chifre sai,
pois é ao gado que viaja que ele fala.
Não o ouves? E pensas que é o vento.
tu que vens de longe e aqui te esqueces.
Escuta, como em missa, como em prece.
Pastor de bois, o boiadeiro quando sopra
O berrante que o gado ouve e sente,
é um pouco como deus, senhor do vento.
Carlos Rodrigues Brandão