top of page

IMPRECISÃO

 

Viver não é preciso

Está aquém e além

Do siso da linha reta.

Está no gozo desmedido

Da gratuidade do riso.

 

Viver é desrealizar

No alumbramento do sonho

A urdidura do caminhar

Na escuta dos segredos

Do coração fremente.

 

Viver é e não é

É ser tão sim

E tão bem não

No sertão de cada ser

Na curva de cada estação.

 

Viver é afinar

Tons de ordem e desordem

Entre o prumo e o pião

Amanhecer redivivo

Na vertigem da aurora.

 

Viver é sorver o doce-amargo

Da proeza de cada momento

Decantar o sopro vesgo

Da pesura e leveza do vento

Inventar no cio então

O som e o silêncio.

 

Miguel Almir

Eu queria avançar para o começo.

Chegar ao criançamento das palavras.

Sou um sujeito cheio de recantos.

Os desvãos me constam.

É no ínfimo que eu vejo a exuberância.

Perder o nada é um empobrecimento.

Tudo que não invento é falso.

Tem mais presença em mim o que me falta.

Por pudor sou impuro.

Não preciso do fim para chegar.

A expressão reta não sonha.

É preciso transver o mundo.

 

Manoel de Barros

(Do livro “Livro sobre o Nada”)

 

bottom of page