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TEXTOS 

ARTETERAPIA

 

 

Elisabete Silva Fernandes
Professora de Artes do IFBA
betesfernandes@yahoo.com.br

 

Resumo: Texto sobre arteterapia, discorrendo sobre o seu histórico, pressupostos básicos, objetivos, público alvo e a conduta do arteterapeuta. 

 

Palavras-chave: Arteterapia, Psicoterapia, Arte, Jung.

 

Breve histórico

 

            A história da Arteterapia está intimamente ligada à História da Arte, à Psicanálise e à Psiquiatria. A seguir, é desenvolvida a idéia de como nasceu e se desenvolveu, baseando-se nesses pressupostos e nas suas relações entre si.

            Dentro do seu percurso histórico a Arte é um fenômeno comum a todas as culturas desde a pré-história, suprindo a necessidade humana de expressão de tudo o que impressiona o indivíduo, de tudo o que sente, vê e percebe das relações consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. Ela é uma forma de organização da experiência humana, de maneira a transformá-la em objeto de conhecimento, por meio do sentimento, dentro do seu percurso histórico.

A arte vem se manifestando desde épocas primitivas como porta-voz da sociedade e linguagem transformadora do meio ambiente. Por meio de símbolos os homens se comunicaram, inventaram a escrita, transmitiram sentimentos. Testemunharam sua indagação diante do universo. Criaram objetos de culto, edificaram templos, esculpiram santos. Havia a necessidade de comunicar sentimentos de fé e de esperança num mundo melhor. Modelando a argila ou esculpindo a pedra, escolhendo cores e formas, o artista se enriquecia interiormente. Procurava ordem, ritmo e a harmonia, ele se harmonizava também consigo mesmo, com a natureza e a sociedade, integrando-se ao seu meio (ANDRÉS, 2000, p.17).

  

Em tempos bem remotos a Arte ligava-se à religião ou à magia numa tentativa humana de direcionar a sua necessidade criadora para a conquista das forças da natureza ou de desvendar o mistério da vida. Com todas as suas expressões, a Arte evoluiu ao longo dos séculos, testemunhando a história da humanidade e enquadrando-se aos novos moldes de pensamento da civilização, cedendo ao formalismo e sendo criada, no século XVI, a primeira Academia de Belas Artes, na Itália.

Novo curso toma a Arte com o advento da Arte Moderna, no fim do século XIX, onde foi possível a expressão da subjetividade humana, rompendo com o formalismo das academias. Movimento este, que contribuiu de forma marcante para a criação da Arteterapia.

 

De um modo geral, podemos sentir, nas correntes artísticas que se estenderam pelo mundo desde o século XIX, uma inquietação constante, que trouxe em seu contexto a desmassificação e a abertura espiritual. Se algumas correntes arísticas denunciaram a sociedade e a violência, outras propuseram a busca interior, revolvendo as camadas do inconsciente. O expressionismo, dando livre curso às emoções, desligou-se completamente do sentido de beleza tradicional para fazer pulsar de forma direta o mundo subterrâneo de emoções e sentimentos (...). O Dadaísmo foi um movimento de contestação e quebra de condicionamentos, que propunha uma atitude de questionamento da sociedade, das guerras, da razão e do próprio conceito de arte. O Surrealismo, influenciado pela psicanálise, investigou os sonhos e procurou interpretar e ecplorar os símbolos do inconsciente (...). O abstracionismo intensificou o encontro do Oriente com o Ocidente. Um encontro de inspiração e de atitude diante da vida (ANDRÉS, 2000, p.19.

  

Acompanhando esse movimento evolutivo, a partir desse século, a arte também começa a despertar o interesse no ramo da psiquiatria, sendo utilizada no tratamento das doenças mentais.

Destacando-se nesse momento histórico: Philippe Pinel, com o seu “Traité médico-philosophique sur l'aliénation mentale” (1801); Marquês de Sade, com a montagem de peças teatrais com enfermeiras e pacientes (1803/1813); Charcot, com suas pesquisas e Prinzhorn (com seu livro: “Expressões da Loucura”, 1922); Max Simon que classificou as patologias a partir das produções artísticas dos doentes mentais e Bleuler (1911) que intoduz o termo ''esquizofrenia'' e, influenciado pelas idéias de Freud e a colaboração de Jung (teoria dos complexos), abre o caminho para o casamento entre a medicina, a psiquiatria e a psicologia.

Nesse início de século, Freud baseando-se na teoria psicanalítica faz alguns estudos de obras artísticas, postulando que o inconsciente se manifesta através dessas imagens, mais diretamente do que as palavras, retratando conteúdos do psiquismo, na forma de catarse.

Na década de 20, Jung recorreu à expressão artística em consultório. Utilizava-se da expressão artística e verbal no processo de cura e acreditava que na arte havia a simbolização do inconsciente individual e coletivo afirmando que a criatividade tem uma função psíquica natural, estruturante, e que não era sublimação de instintos sexuais como acreditava Freud.

No Brasil, temos a contribuição do trabalho de Osório César (1923), que trabalhou com arte no hospital do Juqueri (Franco da Rocha – SP), sob a influência da psicanálise freudiana e suas publicações: “A arte primitiva nos alienados”; “Contribuição para o estudo do simbolismo místico nos alienados” e “Sobre dois casos de estereotipia gráfica com simbolismo sexual”.

Com destaque especial, também no Brasil, o trabalho desenvolvido pela psiquiatra Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, no Rio de Janeiro (1946). Ela procurou compreender as imagens produzidas pelos pacientes sob a ótica da teoria Junguiana, realizando um excelente trabalho e estudo, deixando um grande legado para a Arteterapia. Em 1952, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente e, em 1981, escreveu o livro Imagens do Inconsciente, entre outros.

Embora sua metodologia tenha fundamentado as bases do trabalho arterapêutico, intitulada, “A emoção de lidar”, a arteterapia foi sistematizada, em 1941, nos Estados Unidos, por Margareth Naumburg, no campo da psicoterapia. Seguindo-se a ela, sua irmã, Florence Cane, pioneira no trabalho em Arte-educação.

Edith Kramer também foi reconhecida como uma das pioneiras em arteterapia, mas, vale ressaltar a polêmica existente entre ela e Margareth Naumburg, que defendem a “arte como terapia” e a “arte em terapia” respectivamente. O que contribui para os debates hoje existentes sobre o enfoque no processo artístico ou na elaboração psíquica.

Hoje, no Brasil, os cursos profissionalizantes da área são ministrados em nível de Especialização, contemplando disciplinas de arte e de psicologia, de diferentes referenciais teóricos norteadores, como a Psicologia Analítica, de Jung, e a Gestalt Terapia, sendo o movimento de arteterapia muito ativo, existindo várias associações profissionais em vários estados brasileiros. Profissionais da educação (professores, pedagogos, etc), ou da saúde (enfermeiros, terapeutas ocupacionais), interessados pelo fazer artístico, podem exercer a arteterapia, no domínio de sua formação de base (artístico, pedagógico, psicológico), com a prudência que impõe suas limitações.

 

Objetivos e Pressupostos

 

A arteterapia é um modelo que tem como base o uso de expressões artísticas no processo (psico) terapêutico, utilizando-se da expressão simbólica, de forma espontânea, e prazerosa, sem preocupar-se com a estética, ampliando assim, as possibilidades de expressão de conteúdos inconscientes e também de conteúdos de difícil expressão verbal.

Ela propicia a emergência e a elaboração de conflitos interiores, através da configuração dos mesmos, facilitando o desenvolvimento da personalidade, mudanças psíquicas, assim como a expansão da consciência, o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal.  

O processo em arteterapia permite o contato com a própria subjetividade e estimula o potencial criativo. Através da representação o sujeito dinamiza o seu processo de cura, materializa os conteúdos do inconsciente e reconstrói os símbolos.

 

A Arteterapia alcança a sua meta como função terapêutica por permitir essa passagem de um conteúdo inconsciente, não assimilado, transmutado ou transformado em outro conscientizado. Ela busca um visualizar de conteúdos expressivos, onde a forma converte a expressão subjetiva em comunicação objetivada (URRUTIGARAY, 2008, p,25).

 

No seu livro A Prática da Psicoterapia, Jung (1999, p.23), considera o valor da utilização de técnicas expressivas como elemento propiciador do resgate do sentido de viver. Pois através de uma imagem criada, o sujeito vê-se diante da circunstância de “traduzir o indizível em formas visíveis”.

A Arteterapia é uma modalidade psicoterápica diferente da condução dada aos cursos de Artes e de Terapia Ocupacional. Às produções realizadas não são cobrados requintes técnicos, sendo muito importante não atribuir julgamentos de valores estéticos ao material produzido e sim ampliar o espaço para a apreciação e contato com o objeto.                        É importante que a postura do terapeuta seja a de contribuir para um processo de tomada de consciência através do sentir e da elaboração mental e verbal, cabendo também ao profissional, facilitar a escolha da atividade artística e sua condução.

O trabalho do terapeuta exige uma grande capacidade de concentração cada vez que o processo de construção simbólica é considerado como uma aventura contínua, onde as transformações sucessivas são mais importantes do que o resultado final (PAÍN, 1994, p. 21)

 

            O processo arteterapêutico pode ocorrer em sessões individuais ou em grupo. Ambas as modalidades são eficazes, tendo seus aspectos mobilizadores: Em grupo, o processo pode ser dinamizado pela somatória de diferentes visões e experiências, mobilizando o campo energético grupal e acelerando o processo. O importante é a adequação da pessoa, numa configuração ou na outra (grupo ou individual), sendo fundamental, na primeira consulta ser definido um contrato de modelo psicoterápico.

O público alvo desse processo inclui crianças, adolescentes e adultos, nas áreas de psicopatologia, educação e psicoterapia, dentre outras. Bastando para isso a devida capacitação profissional e de conhecimentos adequados a cada realidade, principalmente tratando-se do público infantil que requer algumas habilidades bem diferenciadas, além de uma predisposição para uma comunicação fluente com esse público.

            O processo de arteterapia se realizará com a utilização das diversas linguagens artísticas, entre elas: Artes visuais (pintura, desenho, colagem e modelagem); Dança; Teatro (englobando também alguns recursos literários) e Música, cabendo ao terapeuta estar sintonizado com o recurso a ser utilizado e definir sua utilização em função das necessidades e tendências do paciente no seu caminho de cura. 

Na visão junguiana, o mais importante no fazer artístico é criar um vínculo com o inconsciente, pois é através disso que existem todas as possibilidades do vir a ser, processoatravés do qual o ser humano evolui de um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, implicando na ampliação da consciência.

A psicologia analítica não enquadra e conduz os conteúdos inconscientes, nem os considera como depósito de sentimentos recalcados e reprimidos, mas os considera como um manancial de possibilidades, considerando o espaço dialógico entre consciente e inconsciente também através de sonhos, projeções e somatizações.

Considerando-se a afirmação de Jung (1966) de que “a simbologia do Inconsciente (individual e coletivo) pode ser revelada e que a criatividade é função psíquica natural e estruturante”, reforça-se a condição de que o ato criativo na Arteterapia deve ser desenvolvido num ambiente favorável em que o cliente se sinta estimulado a produzir de uma forma espontânea e prazerosa, bases para a criatividade.

 

A utilização das técnicas em arteterapia favorece a individuação, por mediar uma conexão amorosa entre a visualização do sentido na imagem produzida, com as sensações pertinentes ao uso dos diferentes materiais e a descoberta das emoções sentidas no desfrute do trabalho concluído... Aprender a se sintonizar com o significado presente em cada imagem, acarreta o desbloquear do canal criativo, trazendo para o indivíduo um fácil acesso a seus talentos e habilidades... O confronto tão temível com a sombra, por ter seu canal de comunicação liberado, pode fazer-se representar através dos sentimentos despertados e observados na própria produção. (URRUTIGARAY, 2008, p.72)

  

Papel do arteterapeuta

 

      A dinâmica que se estabelece nas sessões terapêuticas se define tendo-se um propósito de criar uma ambientação de cura, sem haver uma condução rígida, por parte do terapeuta, do que deve ser feito, ou que material deve ser utilizado.

 

Para o artistant, o ateliê é um lugar privilegiado para viver e tomar consciência, e, para o terapeuta, para observar e enquadrar o processo de objetivação expressiva a partir de seu nascimento, considerando suas tensões, seus conflitos e suas estratégias. O processo terapêutico, consiste em identificar os obstáculos encontrados nas diferentes etapas da criatividade, e descobrir seu significado, admitindo que aqui a forma e o conteúdo são inseparáveis. (PAÍN, 2009, p.69).

 

Nesse processo, é importante o acolhimento por parte do terapeuta ao seu cliente, estimulando-o a desafiar-se e vencer suas dificuldades, também sinalizando os aspectos favoráveis no desenrolar da sua composição artística.

 

O lugar do terapeuta, uma vez dada a consigna, é acompanhar o processo do paciente, ser testemunha de sua aventura, ajudá-lo a superar os obstáculos encontrados, considerando-os, ao mesmo tempo, de um ponto de vista subjetivo e objetivo. Para isso, é preciso que haja normas para, por um lado, observar os sujeitos que estão realizando uma atividade criativa e, por outro, decidir a oportunidade e o conteúdo das intervenções (PAÍN, 2001, p.21).

  

E, com o amadurecer do processo terapêutico, propiciar maiores condições de reflexões sobre a relação entre o material produzido, a realidade do indivíduo, os sentimentos, e as potencialidades apresentadas. Procurando sinalizar as suas partes integrantes e significativas, de maneira a ajudá-lo a perceber suas características e qualidades individuais presentes na obra, sem, contudo, forçar análises que ainda não conseguem ser assimiladas. Nessa atitude, o terapeuta percebe a particularidade de cada sujeito, respeita o seu ritmo e atua até onde o cliente pode, e até onde ele próprio já tenha ido.

          A intervenção do terapeuta consistirá apenas na reformulação e ampliação descritiva do universo do paciente, sem, contudo, emitir nenhum parecer interpretativo, acolhendo as considerações que o cliente tem de mundo, das suas emoções emergentes durante o trabalho e da interpretação que ele faz sobre a sua obra artística.

O domínio teórico de Psicologia, de Arte, e de que maneira e quando utilizar os recursos técnicos é muito importante. Mas, independentemente da abordagem adotada no processo terapêutico, algumas atitudes básicas devem orientar a conduta do terapeuta, para uma condução psicoterapêutica competente e ética.

      O estado de presença, segundo Richard Hycner (1995) “requer que o terapeuta suspenda seus julgamentos quanto ao material que o cliente deverá trazer e, até mesmo, quanto à direção que a terapia deveria seguir (...). É o reconhecimento da dimensão espiritual de cada momento”.

          Isso facilita uma atenção flutuante, um estado expandido de percepção que tem como conseqüência um sentimento de compaixão que irá promover o encontro, no processo de cura.

É também importante ressaltar a atitude de auto-cuidado, através do conhecimento de si próprio, trabalhos pessoais de auto-desenvolvimento, e possível apoio de um supervisor, para ajudá-lo no procedimento terapêutico. Cuidados esses que contribuíram no cuidado dispensado ao seu cliente. Sendo claro o posicionamento ético que deve-se adotar perante a si próprio e perante o outro.

 

O terapeuta é um ser que sabe orar pela saúde do outro, isto é, chamar sobre ele a presença e a energia do Vivente, pois só ele pode curar toda doença e com o qual ele coopera. O terapeuta não cura, ele cuida, é o Vivente que trata e que cura. O terapeuta está lá apenas para por o cliente nas melhores condições possíveis para que o Vivente atue e venha a cura (1999).

 

 

Enfim, analisando-se o histórico, os pressupostos, os objetivos da Arteterapia, e a conduta do ser terapeuta, percebo que o processo artererapêutico se desenvolve com o estímulo do potencial criativo, oportunizando o fazer-se a si mesmo através das dimensões simbólicas dos produtos artísticos produzidos e a ressignificação dos mesmos, dentro do conteúdo pessoal. 

Esse processo irá favorecer para que o indivíduo entre em contato com seus conteúdos internos, muitas vezes inconscientes. E com o reconhecimento deles, serão desvendadas as possibilidades que tem o sujeito de lidar com o que sente, de como percebe as situações e de como se relaciona consigo mesmo e com o mundo ao seu redor.

Promovendo assim, o auto-conhecimento, a ressignificação de sentimentos, valores e atitudes, à medida que se amplia a percepção das suas reais necessidades. Isso implicará  na construção de recursos internos mais saudáveis, propiciando um aumento da auto-estima e da auto-confiança. O que possibilitará uma maior autonomia e transformação interna de reestrutração do ser.

 

 

REFERÊNCIAS:

  

ANDRÉS, Maria Helena. Os Caminhos da Arte. C/Arte. 2000.

BOFF, Leonardo.Saber Cuidar. Vozes. Petrópolis. 2001

BROWN, Daniel. Fundamentos da Arteterapia. Vitória Régia. 2000.

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. Cultrix. São Paulo, SP. 1982.

COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com Crianças. Wak. RJ. 2005.

HYCNER, Richard. De Pessoa a Pessoa: Psicoterapia Dialógica. Summus. 1995.

JUNG, C. G. A prática da psico- terapia. Petrópolis. Vozes. 1966.

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Nova Fronteira. 1987.

LELOUP, J. Cuidar do ser. Petrópolis: Vozes. 1999.

OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. Ed. Campos.

PAÍN, Sara. Os Fundamentos da Arteterapia, Vozes. 2009.

PAÍN, Sara. Teoria e Técnica de Arteterapia. Artmed. 1996.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia, a transformação pessoal pelas imagens.                   Wak. 2008.

 

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