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TEXTOS 

As intensidades da Ética e da Estética na formação

da subjetividade e sua relação com o educar

 

Miguel Almir Lima de Araújo

 

Ama a humanidade como a ti mesmo!

Isso é tudo e nada mais é preciso.

Dostoiévski

 

RESUMO

 

O texto trata da Ética como cuidado com os valores primordiais que dignificam a morada do humano; da Estética como cultivo da sensibilidade, do ad-mirante, da boniteza; da subjetividade como configuração das singularidades humanas, de seus pensares e sentires, em seus modos heterogêneos de existir; do educar como “rito de iniciação” aos valores e sentidos humanos primordiais, como processos teóricos e vivenciais de condução das subjetividades nas buscas da coexistência in-tensiva entre logos e eros, entre o corpo e o espírito, entre a objetividade e a subjetividade. Propugno o educar como processo que conduz as subjetividades, mediante o dinamismo das teias intersubjetivas, ao cuidado com a afirmação das singularidades e multiplicidades de cada existir/co-existir; ao cuidado e à fruição da Ética e da Estética, da dignidade e da boniteza.

 

Palavras-chave: Ética - Estética - Subjetividade - Educar

 

ABSTRACT

 

The text deals the Ethics as care with primordial values that dignify human dwelling; of Esthetics as the cultivation of sensibility, of the admirer, of beauty; of subjectivity as configuration of human singularities, of their thoughts and feelings, in their heterogeneous forms of existing; of educating as an “initiation rite” to the human values and primordial senses, as theoretical and experimental processes for leading subjectivities in the search of intensive coexistence between Logos and Eros, between body and spirit, between objectivity and subjectivity. Finally, I propose the education phenomenon as process that conducts subjectivities, by means of the dynamism of inter-subjective webs, to the caring of the affirmation of singularities and multiplicities of each existence and co-existence; to the concern and fruition of Ethics and Esthetics, of dignity and prettiness.     

 

Key-words: Ethics - Esthetics – Subjectivity - Educate

 

 

 

01. OS SENTIDOS DA ÉTICA

 

A expressão grega Ethos, que origina a palavra Ética, designa hábito, costume, modo de vida, o universo de valores e crenças que compõe a teia viva da cultura dos indivíduos em seus grupos e comunidades, em seus contextos históricos mais singulares e plurais. Desse modo, o Ethos se configura como repertório de referências que traduz os valores e sentidos estruturantes e constitutivos de um povo. O Ethos se processa e se projeta nos meandros mais fundos e recurvados do imaginário dos indivíduos, mediante dimensões mais inconscientes e até invisíveis e se materializa no estofo das ações vividas cotidianamente.

 

O cuidado com o Ethos, com a Ética, representa o zelo pela complexidade da morada do humano, pelo modo como nos relacionamos uns com os outros. Esse cuidado se traduz, assim, na busca de uma atmosfera arejada e aprazível nos fluxos das relações intersubjetivas e sociais, na proporção em que estas se tornam mais solidárias e amorosas, mais justas e livres; em que cultivamos a busca da paz e do bem comum.

 

Para os gregos, notadamente para Aristóteles (1987), a Ética, no cenário das relações humanas, trata da justa medida, do caminho do meio, traduzindo-se este na atitude sábia que ultrapassa os excessos na realização das virtudes do bem, da justiça, da equidade. A presença da Ética torna-se curativa no seio do convívio humano na medida em que proporciona o cuidado com o bom senso, com ações e posturas mais cuidadosas e altruístas no trato com o humano, com a teia das relações humanas.

 

A práxis Ética norteia-se pela relação dialógica e interativa com a diversidade de valores que constitui os sujeitos e grupamentos humanos. É o elo de ligação que interliga as singularidades e as diferenças proporcionando relações in-tensivas de trocas mútuas em que a escuta do outro se torna condição sine qua non. Escuta despojada em que os indivíduos se conflituam de modo aberto, solidário e criativo, e podem, assim, compreender que as diferenças podem fecundar as relações trazendo aprendizados recíprocos, considerando que, além de diferentes, somos também semelhantes.

 

Os valores das tradições culturais mais locais, com suas singularidades e características próprias, como repertórios que traduzem as identidades culturais e híbridas de cada grupamento humano com suas crenças, sentimentos e cosmovisões, são repertórios fundamentais nos territórios da Ética. Assim, podem ser estabelecidos os vínculos dialógicos com os conteúdos culturais mais diversificados, em que podemos buscar, entre o local e o suposto global, relações in-tensivas de interações recíprocas.

Tecer relações de coexistência inspiradas nos princípios da solidariedade e da fraternidade, da equidade e da amorosidade tem sido um dos aprendizados mais difíceis e desafiantes para a raça humana. Os paradigmas que exercem supremacia em nosso processo civilizatório privilegiam as lógicas instrumentais e calculistas, os valores produtivistas e consumistas que promovem a competição e o individualismo autofágicos desembocando em posturas que mutilam as relações intersubjetivas, sociais e ecossistêmicas. Esses processos incidem em separatismos e intolerâncias que esfiapam a teia dinâmica das relações de cooperação e de fraternização entre os humanos.

 

Aprendemos muito sobre muita coisa; construímos arsenais imensuráveis de conhecimento técnico, científico e erudito; dominamos muitos recursos tecnológicos sofisticados de natureza funcional e pragmática; detemos muito poder sobre os instrumentos externos, do ter, dos papéis e funções externas. Porém, ficamos ignorantes e esvaziados no que se refere aos domínios internos do ser, ao trato com as coisas humanas, com as relações de coexistência humana solidária e fraterna. Ficamos empanturrados de saber e esfomeados de sabedoria. O triunfo da tecnociência desprovido das qualidades éticas esgarça a vida humana e as demais vidas, reduz as pessoas à ordem do cálculo tornando-as objetos frios e mecânicos.

 

A desfiguração da Ética que avassala nossa cultura lastreada sob os auspícios de uma “razão cínica” macula a paisagem humana, nos atola no imundo; enfeia o mundo. Numa sociedade em que a dignidade é denegada e dilapidada, os sujeitos humanos passam a ser esvaziados de sua condição humana primordial e passam, assim, a ser coisificados e mercadejados como bens utilitários consumíveis em processos hostis de desumanziação. Dessa forma, os frutos do processo civilizatório se desdobram numa civilização barbárica, numa “barbárie civilizóide” com a depredação de todo o ecossistema. 

 

Para que o cuidado com a Ética se torne princípio norteador nas ações humanas, torna-se imprescindível a práxis dialógica, a pedagogia do diálogo como instância que proporciona relações in-tensivas e interativas de trocas e de aprendizados mútuos entre as diferenças. Mediante as relações dialógicas fundadas na abertura de espírito e de coração, na complexidade enriquecedora das diferenças culturais, étnicas, religiosas entre outros, os humanos podem compartilhar suas crenças, sentimentos e valores na perspectiva de sedimentar relações fraternas e solidárias, humanizantes e ecohumanizantes.

 

A abertura para os fluxos dialógicos entre as diversidades pressupõe a superação dos egoísmos asfixiantes que redundam em individualismos suicidas na extremação da egocidadania. Pressupõe a busca do ecoísmo, da ecocidadania, em que os indivíduos aprendem a tecer os desafios dos laços coletivos que compõem a rede multicor da teia do humano; em que as estampas das diferenças embonitam os elos dos abraços eivados de solidariedade e de compaixão. O ecoísmo, a ecocidadania se traduzem nas relações de acolhimento/compartilhamento entre os seres humanos e destes com os outros seres.

 

Essa perspectiva ecoísta desemboca no Ecohumanismo em que o ser humano não é mais concebido como o centro do universo, como ser onipotente, onipresente e oniciente. Este é concebido como um ser de importância singular e incomensurável no planeta Terra. Porém, não mais como centro único, nem absoluto, e sim, como partícula viva que coexiste na constelação planetária com milhões de outros seres.

 

O Ecohumanismo revela o cuidado com a eco-ética, com a Ética da coexistência em que os seres humanos, com sua consciência sensível e aprendente, compreendem o movimento da dinâmica viva e coexistente, e, portanto, interdependente e complementar que existe entre todos os seres do universo. Desse modo, as relações dos indivíduos consigo mesmos – a auto-ética –, como também, com todos os outros seres – a eco-ética –, podem passar a ser afirmadoras dos valores do cuidado, da compaixão, da cooperação, do respeito e da admiração para com a riqueza e para com a beleza da teia híbrida do ecossistema em nosso co-pertencimento planetário.

 

A Ética da coexistência carece do olhar crítico, alargado e compreensivo do pensamento meditativo/reflexivo que dialoga, aberta e sabiamente, com os mistérios da cordialidade do coração entrelaçando a compaixão do coração e o humanismo do espírito (Morin). A vivência da Ética da coexistência se revela, de modo fecundo, na imagem-símbolo do abraço que entrelaça os indivíduos na singularidade de cada diferença, compondo, assim, a roda heterogênea da unidade na e da multiplicidade dos seres – a unitas multiplex –, do universo/pluriverso. Roda que, no acolhimento despojado do abraço, une e complementa os diversos no arco da solidariedade, da tolerância, do reconhecimento do outro: laço do abraço grandioso que nos irmana e vivifica.

 

A Ética da coexistência nutre-se, portanto, numa razão dialógica, comunicativa e interligante que promove o discernimento e a meditação inteligente (intus legere – ler de dentro); numa razão aberta e lúcida, lúdica e sensível que plasma a consciência compreensiva, lastreada no espírito altaneiro da generosidade, da simpatia e da empatia. Desse modo, podemos sair dos porões dos círculos viciosos que tanto desbotam a morada do humano para os círculos virtuosos que a enobrecem.

 

02. OS SENTIDOS DA ESTÉTICA

 

O vocábulo Estética deriva-se do grego aisthesis traduzindo a esfera do sensível, o trato com a sensibilidade. Assim, Estética se configura como plano de criação e de fruição sensível das intensidades e da plasticidade dos fenômenos do existir humano; como estado de ad-miração e de espantamento, de mobilização de nossa sensibilidade para a vivenciação da magnitude e da poeticidade da vida, do cosmos.

A expressão do estésico se descortina nas aberturas transversais de nosso ser sensível no desbordar de perplexidades e movências que nos dis-põem para os feixes das in-tensidades dos influxos do existir humano; projeta-nos pelos horizontes oblíquos da policromia dos acontecimentos proporcionando momentos de fruição e de arrepio.

 

O estésico mobiliza nossos sensos perceptivos (instinto, emoção, sentimentos, intuição, consciência) para a fruição dos ritmos, dos movimentos, das texturas, dos desenhos, das tonalidades e das plasticidades que compõem o dinamismo dos fenômenos humanos e naturais em suas intensidades e extensidades, singularidades e diversidades.

 

O estado de ad-miração proporcionado pelo plano da Estética, ao mobilizar a sensibilidade humana, nos desinstala e compele à abertura dos sensos perceptivos e fruitivos, para uma compreensão e uma vivenciação mais vasta e intensa, pregnante e anímica de nossa saga no mundo. Implica-nos, de corpo alma, com a nervura dos acontecimentos, das vicissitudes do existir em seus fluxos recurvados de contradições, ambigüidades e paradoxos.

 

A Estética revela a expressão do dionisíaco, do desbordar das paixões e desejos que nos proporcionam vivacidade, prazer e encantamento. Também plasma o apolíneo na proporção em que revela as proporções das formas elegantes e vistosas. A Estética faz desbordar a fruição da boniteza que dá viço e fulgor às coisas humanas. Nos leva à fruição das inutilezas, das sutilezas e gratuidades que dão graça e fineza ao viver. Precipita-nos pelos compassos do jogo sincopado da vida em que nosso espírito lúdico se enreda nas proezas das aventuras extraordinárias.

 

O estésico faz desbordar o pathos, as paixões que nos comovem e compelem aos riscos e desafios que implicam na materialização dos sonhos altaneiros. Nos proporciona a fruição do elã vital, das intensidades que movem a tragicomicidade do existir; nos con-voca para os desafios das danças mutacionais diante dos rasgos da conflitividade do existir; interpela-nos para as aventuras das sinuosidades do ser-sendo-com, para o dinamismo pregnante do estar-juntos em que podemos compartilhar e celebrar nossos sentires, crenças e paixões.

 

A plasticidade do estésico nos expande, alarga e conduz a processos de mutação e de emancipação das estruturas compressivas e denegadoras da vida. O recalque e a mutilação de nossos sensos perceptivos, de nossa sensibilidade estésica nos anestesia, nos aplasta nas malhas do anestésico e nos desvitaliza. O cultivo do estésico potencializa a percepção dos fenômenos em seu estado nascente, em seus ritmos e curvaturas originários, em suas intensidades vitais.

 

Nos confins do estésico, o garimpar da sensibilidade nos projeta também nos meandros das tensividades e dos rasgos existenciais, nos abismos das agonias que perfuram a tragicidade do humano. Porém, também nos implica nos territórios da comicidade, da ludicidade em que podemos trançar os malabarismos do jogo movente do existir. O fulcro do dinamismo e do vigor dos fluxos do estésico, com suas porosidades e recurvamentos, com suas heterogeneidades e indeterminações, potencializa a dis-posição de nossos sentires e pensares para as proezas dos desafios lançados pelos acontecimentos, na perspectiva de que mobilizemos nosso espírito e imaginação criantes na articulação de processos transgressivos que instauram mutações e metamorfoses.   

 

Penetrar nos horizontes da Estética incide no garimpar da poiesis, dos processos de criação imbuídos de sentidos multicores em que se descortinam os influxos do viver, em seus compassos sinuosos, mediante ações permanentes de recriação e de renovação. A atmosfera do estésico nos faz penetrar nas inutilezas, nas dimensões e estados em que desbordam a gratuidade do singelo, do gracioso, da delicadeza, daquilo que não se reduz às lógicas utilitárias do mercado, da voracidade do consumismo que pretende mercantilizar tudo. O estésico nos despoja para a graça das coisas simples que tocam fundo e intensamente na alma e no coração. Mobiliza nossas afecções (emoções e sentimentos) para os laços da simpatia e da empatia que nos entrelaça com os outros no compartilhamento das coisas demasiadamente humanas: dores, angústias, desejos, contentezas, prazerosidades. Convoca-nos para as celebrações das intensidades, das poeticidades, dos rituais que fazem jorrar encantações. Encantações que nos animam, renovam e vivificam.

 

O estado de fruição do estésico reverbera o estado poético que atravessa as brumas dos enigmas que plasmam os flancos do existir e nos precipita nos desvãos de seus labirintos incontornáveis; nos enreda entre os confins dos silêncios que murmuram nossos recônditos indevassáveis na sutileza de suas ressonâncias agridoces; instala aberturas para a emergência do inesperado; descortina a postura entusiasmante, o extraordinário. O estado poético nos conduz às buscas da eterna novidade do mundo (Pessoa), do sentimento do mundo (Drumond). Desborda vertigem e alumbramento.

A busca da relação coexistencial entre Ética e Estética revela o horizonte de encontramento dialógico e visceral entre a dignidade e a boniteza do humano. Essa relação dialógica agrega as polaridades interpolares do bem e do belo, de Apolo e de Dioniso como instâncias complementares e constitutivas da inteireza in-tensiva da condição humana.

 

Esse horizonte de coexistência in-tensiva entre a dignidade e a boniteza implica no cuidado zeloso com as posturas da solidariedade e da amorosidade, da justiça e da fraternidade, bem como, da delicadeza e da simpatia, da singeleza e da elegância. Podemos ser muito honestos no campo da Ética, mas, se não cuidamos da delicadeza, podemos nos tornar sisudos, insensíveis, pela ausência do culltvo da Estética. O entrelace da Ética com a Estética estampa posturas sensatas e ternas, justas e delicadas, solidárias e agradáveis, honestas e graciosas.

 

Essa coexistência co-implica os campos da prosa e da poesia, de Logos e de Eros, da ciência e da consciência, do masculino e do feminino, da forma e do conteúdo, do pensar e do sentir como lastros estruturantes das intensidades do existir e do co-existir humanos.

           

feminino. Todo indivíduo humano, em sua condição de homem ou de mulher, é, simbolicamente, portador de características andróginas. A supremacia do patriarcalismo estruturou subjetividades excessivamente masculinas que passaram a negar e represar suas características femininas. Essa supremacia, notadamente nos homens - mas também presente nas mulheres - incidiu em posturas mais arrogantes, carrancudas e austeras.

Cada eu também é um outro na proporção em que se modifica e se transforma. Um e outro são pólos interdependentes que se conflituam e se entrecruzam, propiciando o movimento e as mutações que dão vigor à experiência humana. Cada subjetividade afirma-se, negando-se e transmutando-se, no jogo de permanências e de mudanças que conformam o existir; renovando-se para continuar existindo com o húmus de sua condição germinal de ser imaginante e criante.

 

Enfim, o cuidado, o desvelo com a subjetividade traduz-se na relação de coexistência in-tensiva e visceral entre nossa imanência, nossas dimensões internas e singulares, o "dentro", e a nossa transcendência, nossas dimensões externas, a alteridade, a objetividade, o "fora". Aprender a tecer o dinamismo dessa teia com maestria parece ser o propósito maior no buscar a incompletude da inteireza da condição humana, de nossa condição de seres híbridos, unos e múltiplos, em que coexistem o sapiens e o demens, o egoísmo e o ecoísmo, o logos e o eros, o yin e o yang, o corpo e o espírito.

 

A subjetividade, portanto, se descortina mediante o constelar de nossas singularidades orgânicas e simbólicas, das intensidades e das extensidades estruturantes de nosso ser-sendo em seus filamentos moventes. Com seu dinamismo e plasticidade, cada subjetividade se configura, em seu estado nômade, nas itinerrâncias das curvaturas do devir em suas travessias abertas e indeterminadas. Travessias atravessadas pelos fluxos tensoriais e transversais dos acontecimentos que dão ritmo e intensidade ao existir humano. O espectro de cada subjetividade, que se estrutura através dos entrelaces com outras subjetividades, se afirma e se desborda no entramado da intersubjetividade em que envidamos a coexistência in-tensiva do ser-sendo-com-os-outros na saga de nossa destinação inter-humana, em nosso co-pertencimento planetário.

 

A subjetividade revela, assim, os paradoxos e ambigüidades que perfazem a complexidade da condição humana em seus estados complementares e interdependentes de caos e de cosmos, de desordem e de ordem, na cadência movediça de seus processos contínuos e descontínuos de mutação e de renovação.

 

A atmosfera do estésico nos faz penetrar nas inutilezas, nas dimensões e estados em que desbordam a gratuidade do singelo, do gracioso, da delicadeza, daquilo que não se reduz às lógicas utilitárias do mercado, da voracidade do consumismo que pretende mercantilizar tudo. O estésico nos despoja para a graça das coisas simples que tocam fundo e intensamente na alma e no coração. Mobiliza nossas afecções (emoções e sentimentos) para os laços da simpatia e da empatia que nos entrelaça com os outros no compartilhamento das coisas demasiadamente humanas: dores, angústias, desejos, contentezas, prazerosidades. Convoca-nos para as celebrações das intensidades, das poeticidades, dos rituais que fazem jorrar encantações. Encantações que nos animam, renovam e vivificam.

 

O estado de fruição do estésico reverbera o estado poético que atravessa as brumas dos enigmas que plasmam os flancos do existir e nos precipita nos desvãos de seus labirintos incontornáveis; nos enreda entre os confins dos silêncios que murmuram nossos recônditos indevassáveis na sutileza de suas ressonâncias agridoces; instala aberturas para a emergência do inesperado; descortina a postura entusiasmante, o extraordinário. O estado poético nos conduz às buscas da eterna novidade do mundo (Pessoa), do sentimento do mundo (Drumond). Desborda vertigem e alumbramento.

A busca da relação coexistencial entre Ética e Estética revela o horizonte de encontramento dialógico e visceral entre a dignidade e a boniteza do humano. Essa relação dialógica agrega as polaridades interpolares do bem e do belo, de Apolo e de Dioniso como instâncias complementares e constitutivas da inteireza in-tensiva da condição humana.

 

Esse horizonte de coexistência in-tensiva entre a dignidade e a boniteza implica no cuidado zeloso com as posturas da solidariedade e da amorosidade, da justiça e da fraternidade, bem como, da delicadeza e da simpatia, da singeleza e da elegância. Podemos ser muito honestos no campo da Ética, mas, se não cuidamos da delicadeza, podemos nos tornar sisudos, insensíveis, pela ausência do culltvo da Estética. O entrelace da Ética com a Estética estampa posturas sensatas e ternas, justas e delicadas, solidárias e agradáveis, honestas e graciosas.

 

Essa coexistência co-implica os campos da prosa e da poesia, de Logos e de Eros, da ciência e da consciência, do masculino e do feminino, da forma e do conteúdo, do pensar e do sentir como lastros estruturantes das intensidades do existir e do co-existir humanos.

 

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